A SINGLE MAN

por Angélica Bito

  

Gostar ou não de um filme é algo subjetivo demais. Como jornalista, aprendi nos bancos da faculdade que um profissional da área deve sempre buscar a objetividade. Mas, nas cadeiras das redações, descobri na marra que isso não existe. Desenvolvendo minha carreira fazendo também jornalismo opinativo, acostumei-me a abraçar a ideia não somente de que não existe jornalismo imparcial, mas também que a crítica é formada pelo diálogo e não pelo factual.

Tudo isso para explicar que, quando alguém me pergunta se um filme é bom, respondo se gostei ou não. Claro, existem verdades absolutas, tipo que Carrie, A Estranha ou O Poderoso Chefão são bons filmes; ou que As Branquelas é ruim. Mas, na maioria das vezes, verdades absolutas não existem no cinema ou em qualquer outra forma de arte.

Vejamos o caso de A Single Man, que está atualmente em cartaz em circuito restrito como Direito de Amar (me recuso a me referir à obra pelo título com o qual foi lançado em mercado brasileiro, ele não define nada o filme, diferentemente do original). Embora me incomodem algumas coisas, A Single Man me tocou emocionalmente de uma forma forte, pesada. Não tocou da mesma forma outras pessoas, mas não significa que ele seja bom ou ruim; significa que o diálogo funcionou comigo.

Como a estreia do estilista Tom Ford como cineasta, A Single Man é uma obra, antes de mais nada, corajosa. Para poucos, podemos dizer, a começar (ou terminar) pelo final fatalista. Não vou contar mais detalhes, obviamente, mas adoro filmes com finais pessimistas. Deve ser por isso que gosto tanto de dramas japoneses. Ou mesmo filmes de terror orientais. A cultura oriental é cheia de pragmatismo e fazer um longa-metragem desta forma demonstra não somente um toque extremamente autoral de Ford (no primeiro filme, veja bem), mas também a coragem de assumir o autoral, algo menos complicado no cinema oriental ou europeu, por exemplo, mas dificílimo quando estamos falando em Hollywood principalmente pelo público. A maioria das pessoas não gosta de finais tristes. Mas acho que não é à maioria das pessoas que Ford pretende tocar com este filme.

Toque autoral também pode ser visto na estética impecável de A Single Man. Como estilista, Tom Ford busca a beleza, assim como cineasta. As imagens são impecáveis, figurino, casting, direção de arte. Ford usa a imagem ao seu favor, ao mesmo tempo em que passa longe da beleza vazia, sem propósito. O protagonista, George (Colin Firth, em seu momento mais charmoso), é um professor inglês que mora em Los Angeles. Embora cercado de beleza, não vê mais sentido na vida por não ter o elemento que mais embelezava sua vida: o marido Jim (Matthew Goode), que, após 16 anos de relacionamento, morre num acidente de carro. A Single Man é desenvolvido em cima do vazio na vida de George; por meio de flashbacks, acompanhamos suas recordações ao lado de Jim. Solitário, encontra vazio em meio a tantas coisas e pessoas belas ao seu redor. Chega a ser bizarro como todos são tão lindos, mas me parece mais um reflexo de seu olhar do que a realidade em si (destaque para Carlos, uma espécie de “James Dean latino”, vivido pelo modelo Jon Kortajarena). Tudo se passa durante um dia crucial na vida de George, quando ele ainda se aproxima de um aluno, Kenny (Nicholas Hoult, que, há oito anos, vivia um moleque bem estranho em Um Grande Garoto e agora mostra que de moleque não tem mais nada), e discute sua relação com a melhor amiga, Charley (Julianne Moore, como sempre, brilhante). É um dia conclusivo para o protagonista e extremamente dolorido.

George fala sobre como o medo guia as pessoas em suas atitudes e isso é algo no qual sempre pensei. Tudo que fazemos é pelo medo: de ficarmos sozinhos, de amar, de ser rejeitado, de pegar um resfriado, de sermos infelizes, de sermos felizes, de morrermos. O medo e, principalmente, a morte rondam A Single Man e está aí a grande ironia da coisa toda. Medo e morte são elementos os quais normalmente não queremos encarar, diferentemente da beleza, a qual sempre buscamos – seja em nós mesmos ou nos outros, nas coisas, nos lugares. Temos no mesmo filme, então, o medo, a dor e a morte, temas duros conduzidos de forma tão bela. A ironia da vida me encanta e é exatamente por por isso que A Single Man e a coragem de Tom Ford me arrebataram completamente.

6 Respostas para “A SINGLE MAN

  1. Nossa amiga, arrasou MUITO no texto. Sempre gostei muito disso em você; embora crítica de cinema, vc sempre discute o assunto de forma democrática. Fiquei com mta vontade de assistir A Single Man. 🙂

  2. ai. eu gosto de As Branquelas… aquela parte da dança.

  3. Angel, lindo texto! Há coisas no filme que me encomodam… a música, por exemplo, muito alta e até excessiva, mas Tom Ford é impecável ao fazer cinema, assim como era na moda. Uma das cenas mais belas é quando toca a ópera e ele metodicamente arruma todo seu espólio e deixa indicações, ali o tom intimista e o silêncio são absolutamente sensacionais. E OMG Carlos… parei de respirar quando vi aquele homem. =D Migu… saudades das suas criticas. Bjoxxx

  4. cara esse filme falou comigo de uma forma bizarra e momentânea. vc resumiu tudo falando em medo! beijo!

  5. o que me chamou atenção nesse filme é o grau de irrealidade de tudo: as pessoas muito bonitas, as roupas impecáveis, a casa dos sonhos… talvez não se poderia esperar menos de um filme dirigido por um estilista, acostumado a lidar com os padrões do mundo da moda onde a perfeição inatingível é o norte constante, mas isso parece ausentar um pouco o espectador de dentro do filme.

  6. Tommy Beresford

    Um belíssimo filme, apesar de triste. Minha resenha:

    [Resenhas] Direito de Amar

    Um abraço
    Tommy

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